South Park, democracia e autofagia

South Park, democracia e autofagia

Democracia pressupõe liberdade até mesmo para contestar a própria democracia. Na medida em que essa liberdade é exercida, ela se devora e se extingue. No episódio “Babaca Inútil vs. Sanduíche de Merda”, as falhas do sistema democrático dos Estados Unidos são exploradas e duramente criticadas. Estão aqui a falta de opções do eleitor comum, a disposição da sociedade de promover polarização em torno de candidatos essencialmente iguais e a descrença genralizada em qualquer possibilidade de representação política. É claro que o episódio usa a ironia e o humor radical pelos quais é conhecida, mas nem isso impede Stan de concluir que o voto continua sendo importante. Recentemente, depois dos altos e baixos que vieram desde que esse episódio de 2004 foi ao ar, South Park usou a experiência obtida ao longo das décadas para lidar com Donald Trump em um episódio igualmente memorável.

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Doubling Down

Depois de declararem que evitariam narrativas relacionadas ao governo federal, os criadores de South Park desenvolveram um método para lidar com a administração de Donald Trump. Nesse episódio, a relação entre o presidente e seus eleitores é representada pela relação abusiva entre Eric Cartman e a sua namorada. Cartman se faz de vítima e acentua os abusos na mesma medida em que a namorada nega a própria condição. Amigos de Heidi Turner, a namorada de Cartman, se sentem propensos a caçoar de Heidi em função de suas escolhas ruins, mas isso apenas faz com que ela estreite os laços de sua relação abusiva. Antes do final do episódio, Kyle nos instrui a não lidar com as pessoas que fizeram escolhas ruins na base do “eu não disse?” e discute a relação pessoal com um linguajar que seria muito mais adequado ao noticiário político, exterminando qualquer eventual dúvida a respeito da metáfora estabelecida.

Cavaleiros do Zodíaco no Brasil de 1994

Cavaleiros do Zodíaco no Brasil de 1994

O ano de 1994 foi marcado por uma série de acontecimentos: Do Plano Real à morte de Ayrton Senna, passando pela estreia de Cavaleiros do Zodíaco na TV Manchete. Nesse vídeo, tentamos entender o que fez desse anime um sucesso tão grande no Brasil. Parte da resposta está na hierarquia social contida na obra. Os cavaleiros de bronze são crianças vivendo sob os cuidados de uma família rica. Isso os torna parte da propriedade da família, como a própria Saori faz questão de dizer em um dos primeiros episódios, quando bate no rosto de um dos futuros cavaleiros com um chicote. O sentido de uma hierarquia social rígida e imutável está na base da formação brasileira. Em raros momentos históricos ela foi contestada. É por isso que o chicote de Saori pode parecer estranhamente familiar ao Brasil.

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A Revolta da Chibata

Em A Revolta da Chibata, Edmar Morel analisa um dos poucos momentos da história brasileira em que a hierarquia social (e racial) perversa e rígida foi contestada. Em 1910, marinheiros negros frequentemente açoitados por seus comandantes brancos fazem um motim. Eles sequestram navios e viram os canhões para o palácio do governo. A revolta, liderada por João Cândido, é um marco no lento e progressivo fim da escravatura que o Brasil tenta fazer valer até hoje. Conhecer a história dessa revolta e as motivações de seu protagonista podem fazer qualquer brasileiro compreender melhor os efeitos de sua nacionalidade sobre si.

Life is Strange e o caos

Life is Strange e o caos

Life is Strange é um jogo sobre escolhas, como nenhum outro. Aqui, o tema do livre arbítrio está presente na narrativa e na jogabilidade, criando uma experiência única e emocionante. As referências à Teoria do Caos estão presentes do começo ao fim, da narrativa à interação. Concebida por Edward Lorenz no âmbito da climatologia, essa ideia tem implicações filosóficas inegáveis: relações humanas também estão inseridas em sistemas complexos. Pequenas alterações dentro desses sistemas podem fazer toda a diferença no final. “Efeito Borboleta”, filme de 2004 com Ashton Kutcher, explora os mesmos referenciais teóricos, mas Life is Strange, por estar em uma mídia interativa, vai além e consegue fazer suas mecânicas de jogo se apropriarem do trabalho de Lorenz.

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Chaos Theory in the Social Sciences

Quando exatas e humanas se juntam, nem o céu é um limite. A proposta de um matemático é aplicada e explorada no âmbito da ciência política, da economia e da sociologia em uma série de artigos. Os textos contidos nesse livro exploram as mais variadas aplicações da Teoria do Caos nas mais variadas áreas, inclusive na análise do comportamento da opinião pública. Ressalva: para absorver tudo o que essa junção de humanas e exatas pode oferecer é bom ser iniciado em ambas as vertentes científicas.

Família Dinossauros, racismo e xenofobia

Família Dinossauros, racismo e xenofobia

Quando uma crise econômica ameaça a sociedade dos dinossauros, o governo resolve colocar a culpa na parte quadrúpede da população. Um muro é erguido para mantê-los para fora e qualquer um que ouse apontar o fato óbvio de que muros não resolvem crises econômicas é chamado de “esquerdista idiota”. Há aqui uma crítica direta ao racismo e à xenofobia e há também a constatação de que crises econômicas costumam gerar crises morais. Se a temática parecer pesada, lembre que o último episódio dessa série se permite anunciar a morte de todos os personagens ao mesmo tempo em que alerta sobre a pretensão humana de controlar os complexos e imprevisíveis sistemas naturais. No último episódio, os dinossauros iniciam um desequilíbrio ambiental ao construir uma fábrica. Cada tentativa de corrigir esse desequilíbrio piora a situação. No fim, uma dessas medidas corretivas sai mais errado que a média, inicia uma era glacial e extermina todos os dinossauros de maneira dramática. Há mais crítica social e tentativas de alertar para causas ambientais distribuídas pelos outros 63 episódios da série.

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Sleep Dealer

Nesse filme de 2008, Alex Riviera imagina mexicanos com implantes eletrônicos capazes de controlar avatares robóticos do outro lado da fronteira com os Estados Unidos. Dessa forma, os norte americanos podem contar com o trabalho dos mexicanos sem precisar conviver com eles. Em um dos melhores momentos do diálogo, alguém nos informa que “esse é o sonho americano: todo o trabalho feito, nenhum trabalhador por perto”.

Avatar, a lenda de Aang e do tio taoista

Avatar, a lenda de Aang e do tio taoista

Muitas filosofias orientais estão presentes em Avatar. O taoísmo recebe a representação mais generosa e é atrelado a um personagem cheio de virtudes morais; o tio Iroh. Dominante dentro da cultura chinesa, a história do taoísmo se confunde com a história daquela civilização. O preceito máximo do Wu Wei e a percepção dos ciclos da natureza e da sociedade também são temas na história milenar da China; uma nação que passa por altos e baixos ao longo dos séculos, mas que eventualmente, depois de traumas e revoluções, volta a conquistar seu protagonismo.

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Adeus Tristeza

Adeus Tristeza é a graphic novel biográfica de Belle Yang. Belle sobreviveu a um namorado abusivo e psicótico. No processo de recuperação, ela volta para a casa dos pais e tenta aprender tanto quanto pode a respeito da história de sua família. Muitos dos ancestrais de Belle tinham no taoísmo uma filosofia, uma religião e um jeito de viver a vida. Na narrativa dela, percebemos que há uma versão taoísta para tudo o que existe no mundo: da maneira de se fazer negócios, passando pelas relações pessoais e chegando num tipo muito próprio de pedagogia: na tradição taoísta chinesa, um mestre taoísta acompanharia uma criança durante seus anos de formação. Além de ensinar, parte do trabalho dele seria observar o aluno. Ao fim do processo educacional, o mestre emitiria uma avaliação dando conta das características da personalidade da criança e uma série de conselhos para seu futuro.