Cueio, escassez e inovação

Cueio, escassez e inovação

Cueio, escassez e inovação

Cueio, a série de animação de Ronaldo Azevedo para o Gato Galático, é um depoimento sobre a criatividade e a capacidade de inovação que moram na falta dos recursos adequados paraa realização de uma determinada tarefa. Animação é uma dessas coisas idealmente feitas com tempo e esforços coletivos. Ronaldo, desprovido de ambas as coisas, precisou criar um estilo visual compatível com sua escassez. O resultado final é tão bonito quanto singelo, mas a série não pode continuar: a mesma escassez capaz de gerar um estilo visual único obrigou o autor a descontinuar o projeto para se dedicar a iniciativas mais viáveis e sustentáveis.

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The Story of the Vivian Girls

The Story of the Vivian Girls, in What is Known as the Realms of the Unreal, of the Glandeco-Angelinian War Storm, Caused by the Child Slave Rebellion é provavelmente a maior obra de ficção já escrita. Ela se desenvolve em 15.145 páginas e está ilustrada em centenas de aquarelas e colagens. A narrativa foi concebida por Henry Darger, morto em 1973 e só foi descoberta depois de sua morte. Sem qualquer tipo de educação formal para as artes, Darger produziu em segredo enquanto trabalhava como zelador. A história do autor, explorada e pesquisada apenas após sua morte, está coberta de dúvidas e imprecisões. Sabe-se que teve uma infância sofrida, que passou algum tempo em um hospital psiquiátrico e que, no final da vida, vivia em plena reclusão. O trabalho visual de Darger também faz o possível para contornar as limitações técnicas e também acessa o território da inovação em função disso. A obra de Darger, concebida em segredo durante décadas, atingiu algum reconhecimento póstumo. Há algumas referências a ele espalhadas pela cultura pop. A mais famosa talvez esteja na capa de “Feels”, álbum de 2005 da banda “Animal Collective”.

Steven Universe, mindfulness, meditação

Steven Universe, mindfulness, meditação

O episódio Mindful Education, de Steven Universe, faz justamente o que propõe no título: educa sobre as tarefas de manutenção impostas ao dono de uma mente humana. Funciona assim: quem tem dentes, precisa escová-los, quem tem unhas precisa cortá-las, quem tem mente precisa limpá-la. A meditação é uma ferramenta útil nessa tarefa de manutenção. Em anos mais recentes, técnicas antigas foram retiradas de seus contextos doutrinários, ganharam novos nomes, se afastaram de ambientes religiosos e foram inseridas em ambientes clínicos. Agora, chega a hora e a vez da meditação nos territórios da cultura. Steven Universe faz parte disso. Direcionado a um público infantil, contendo música e visuais que lidam com o tema de maneira direta e simbólica ao mesmo tempo, esse episódio se transforma na aula que o título promete.

METEORO RECOMENDA

The Dhamma Brothers

The Dhamma Brothers, um documentário de 2007, mostra o que acontece quando a meditação Vipassana é levada a presídios dos Estados Unidos. Criminosos perigosos passam a exibir bom comportamento dentro do sistema carcerário. Psicopatas incapazes de sentir finalmente se emocionam. O filme também mostra a restrição estabelecida pelo cristianismo radical contra a prática – identificada por ele como pertencente apenas ao budismo – e a articulação política para proibir os prisioneiros de seguirem meditando.

Despertar

Em “Despertar”, livro de Sam Harris, somos apresentados a todas as repercussões da exploração de nosso espaço interno. Há aqui uma conversa profunda sobre meditação e sobre todos os outros instrumentos capazes de facilitar a interação entre um ser e sua consciência.

Berserk e a obediência

Berserk e a obediência

Berserk, a obra máxima de Kentaro Miura tem dois polos indutores de sua narrativa. O primeiro polo está em Guts, o guerreiro que sobreviveu a um passado de abusos e traumas, concentrado somente na missão de sobreviver. O segundo é Griffith, o plebeu ambicioso para quem apenas sobreviver não basta. Da interação entre os dois nascem os atritos que movem a história. Guts, tendo vivido a vida de um soldado, só estará livre para encontrar uma razão para sua existência quando lidar diretamente com o tema da obediência, muito presente na cultura de um guerreiro como ele. O chamado arco da “era de ouro” de Berserk coincide com o período do Guts obediente. O rompimento dessa relação de subserviência só é atingido depois de levar Guts ao extremo de matar uma criança em nome dos interesses de seu superior. O caráter trágico da narrativa e a representação visual explícita do acontecimento fazem da cena um momento especialmente visceral da história dos animes.

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Ima, Soko ni Iru Boku (Now and Then, Here and There)

Esse anime, com 13 episódios, tem momentos tão fortes e pesados quanto o arco de Berserk mencionado acima, embora ninguém jamais fosse desconfiar disso se observasse apenas a sinopse. Ima, Soko ni Iru Boku conta a história de Shu, um menino que pratica kendo e é transportado para um mundo paralelo que precisa ser salvo de uma ameça perigosa. Pode parecer uma história de aventura alegre para toda a família, mas não se engane: até os mais veteranos fãs de Berserk poderiam ficar chocados e desconcertados com os aspectos mais dolorosos da jornada de Shu.

Irmão do Jorel e o jornalismo brasileiro

Irmão do Jorel e o jornalismo brasileiro

A relação entre polícia e imprensa é abordada de maneira direta no episódio Jornal do Quintal. Aqui, está demonstrado o ímpeto de transformar tragédia em espetáculo trazido pelo encontro das autoridades da segurança pública e das autoridades do controle da informação. Muito do que acontece no episódio pode ser interpretado como metáfora de acontecimentos da história recente da atividade jornalística brasileira. O palhaço militar, nesse episódio, representa a autoridade policial e busca qualquer desculpa para empreender o uso da violência. Ao lado dele está o jornalista, que se esforça para fazer essas desculpas esfarrapadas parecerem razoáveis. Durante o episódio, o responsável pela segurança da sociedade diz que “o homem macaco já derrubou três pipas” e que “o jeito é bombardear a casa” em que ele está. O absurdo da constatação é incentivado pelo jornalista ao seu lado, que imediatamente declara que o homem macaco “não pensa nas crianças”. A crítica é sutil, mas faz uma declaração pesada sobre os erros tradicionalmente cometidos tanto pela polícia quanto pela imprensa. Esse episódio foi escrito por…

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Arnaldo Branco

O roteiro por trás de Jornal do Quintal é obra dele. Há dois livros de Arnaldo Branco disponíveis por aí: Mau Humor e Mundinho Animal. Em ambos, o leitor vai encontrar críticas sociais do mesmo teor das inseridas no episódio de Irmão do Jorel. Mau Humor e Mundinho Animal priorizam narrativas curtas e conclusões rápidas, em quadrinhos de visual simples, econômico e eficiente. Igualmente válida é a “entrevista ilustrada” concedida por ele para a Idea Fixa, anos atrás. Nessa entrevista, puramente imagética, o cartunista e jornalista responde todas as perguntas com imagens diversas retiradas de diversos cantos da internet.

Rick & Morty, Adam Smith & Karl Marx

Rick & Morty, Adam Smith & Karl Marx

Um dos melhores episódios de Rick & Morty coloca o telespectador diante de um buffet de ideologias. Ele pode escolher a convicção que quiser e a narrativa central do episódio vai se encarregar de sempre tornar amargo o gosto do prato. Em “Contos da Cidadela”, vemos uma sociedade formada por réplicas do homem mais inteligente do universo. Apesar de sua formação incomum e promissora, essa sociedade é burra o suficiente para espalhar infelicidade a todos os seus membros. Fica sugerido aqui que isso é o que todas as sociedades fazem. Há pelo menos um recurso que toda sociedade sabe distribuir de maneira mais ou menos igualitária: a infelicidade. Essa é a sugestão pessimista desse episódio abertamente distópico. O que “Contos da Cidadela” faz é especialmente triste porque constrói uma distopia a partir da existência utópica de um mundo habitado por Ricks, seres altamente capazes e criativos.

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Três Canções para Lenin

Contos da Cidadela transforma utopia em distopia. O documentário Três Canções para Lenin, de 1934, faz o inverso. Aqui, o que muitos considerariam uma distopia ditatorial é tratado como se fosse utopia. O filme é a homenagem apaixonada (e aparentemente muito sincera) do documentarista Dziga Vertov a um “herói de seu povo”. Há exagero na estética e na narrativa e, por trás desse exagero, há uma ou outra conclusão palpável sobre a realidade soviética daqueles dias.

Turma da Mônica e o liberalismo

Turma da Mônica e o liberalismo

Em 1993, uma instituição mantida por bancos privados bancou e distribuiu nas escolas públicas uma história com os personagens de Maurício de Souza. Essa história divulgava os benefícios de um governo pequeno e incapaz de interceder dentro da sociedade que ele deveria servir. Partindo dessa declaração presente na HQ, investigamos a versão brasileira do liberalismo que associa um ímpeto de liberdade econômica com um desejo de ordem social. Em dias mais recentes, essa mistura quase sempre contraditória gerou movimentos sociais que carregam o liberalismo no nome e um conservadorismo quase religioso nas suas pautas. O resultado disso é que um brasileiro que se pretenda liberal, num sentido clássico, está condenado a passar as próximas décadas sem uma representação política compatível com seu ideário.

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O Brasil não é para Amadores

Nesse livro, de Belmiro Valverde Jobim Castor, somos convidados a compreender que características os Estado brasileiro herdou da coroa portuguesa. Também somos convidados a contemplar todo o tempo e toda a originalidade que a superação dessa herança deve consumir. Algumas das dificuldades de representação que um legítimo liberal brasileiro venha a sentir também podem ser compreendidas aqui na medida que a mistura contraditória entre conservadorismo social e liberalismo econômico tem suas raízes colocadas para fora da terra.