One Punch Man e o Kaizen

One Punch Man e o Kaizen

Em One Punch Man, acompanhamos a tediosa trajetória de Saitama. Não há alegria em nenhuma das suas previsíveis vitórias. Também não há alegria no treinamento que tornou essas vitórias possíveis. Há um sacrifício e um esforço constante, há a recusa dessas alegrias momentâneas em favor de algo maior e mais duradouro. O sacrifício de Saitama faz lembrar do Kaizen, o princípio da melhoria contínua obtida através do sacrifício e da doação de si mesmo a uma determinada tarefa. Mais do que uma filosofia, o Kaizen é um princípio aplicado dentro dos processos da indústria japonesa. Através dele, é possível melhorar a eficiência de um trabalho seriado e a qualidade do produto final.

METEORO RECOMENDA

Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas

Nesse livro, o professor Robert M. Pirsig nos apresenta a qualidade como um atributo do real. Quanto mais real é uma coisa, mais qualidade ela tem. Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas se dedica com mais profundidade ao conceito de qualidade que ao Zen ou às motocicletas presentes no título. Hoje, o livro é razoavelmente conhecido, mas penou durante cinco anos até encontrar um editor disposto a fazê-lo existir. Com imaginação, um leitor esperto poderia usar a discussão sobre qualidade presente nesse livro para inspirar melhorias nos mais diversos aspectos de sua vida.

Caverna do Dragão: a teoria das teorias

Caverna do Dragão: a teoria das teorias

O penúltimo episódio de Caverna do Dragão foi ao ar em 1985. O último nunca foi produzido. Sobrou um roteiro, transformado em quadrinhos por um brasileiro esforçado em tempos mais recentes. O final da série continua em aberto. Nem o roteiro deixado para trás nos ajuda a entender se aqueles personagens voltaram para casa. Caverna do Dragão é a adaptação de um RPG, jogo/mídia que prioriza narrativas abertas. Respeitar essa característica do material fonte foi uma escolha muito esperta do roteirista, tão esperta que estamos discutindo o trabalho dele até hoje. A decisão demonstra um entendimento tácito de que “o meio é a mensagem”.

METEORO RECOMENDA

Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem

É ele o autor da máxima “o meio é a mensagem”. McLuhan, com isso, quer nos explicar que todo conteúdo carrega em si características intrínsecas da mídia na qual ele nasceu. É mais fácil de compreender McLuhan agora que no século passado. Ele adiantou os efeitos sociais de todo o aparato tecnológico que hoje usamos em nossas comunicações. O esforço dele uniu imaginação e raciocínio numa das tentativas mais bem sucedidas no sentido de prever como seria o século XXI. Só hoje estamos equipados para ler e entender McLuhan. Quando ele disse, por exemplo, que os meios de comunicação são extensões do homem e que a relação com essas extensões são uma fonte incessável de narcisismo, ninguém sabia exatamente o que ele estava querendo dizer. Décadas depois, alguns de nós usam smartphones como espelhos.

Gravity Falls e Rick & Morty: no mesmo multiverso

Gravity Falls e Rick & Morty: no mesmo multiverso

Os criadores das duas obras trabalham para estúdios diferentes, mas são amigos. Como a amizade é capaz de ultrapassar todo o tipo de barreira (inclusive barreiras corporativas), eles conseguiram referenciar o trabalho um do outro dentro de suas séries de animação. E ambos fizeram isso apelando para o conceito de multiverso. No fim, a brincadeira acaba tendo repercussões para as narrativas apresentadas tanto por Rick & Morty quanto por Gravity Falls.

METEORO RECOMENDA

O Jardim dos Caminho que se Bifurcam

O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, de Jorge Luís Borges, parece só uma história de guerra e espionagem no começo, mas o título já avisa o que Borges fará com seus leitores: ele pretende jogá-los num labirinto. Porque, quando há suficientes caminhos bifurcados se encontrando, um labirinto é o que acontece. A obra de Borges estava usando no século passado alguns conceitos da ciência que só se tornariam populares na ficção científica e na cultura pop em geral no século XXI. Esse conto, construído sobre o princípio do multiverso, é um bom exemplo.

Flatland

Flatland, uma aventura em muitas dimensões, é um romance de Ewin Abbott. Ele foi escrito em 1884 e não resta dúvidas de que estava muito além do seu tempo. Em Flatland, somos apresentados a um mundo de duas dimensões. Num dos melhores momentos da narrativa, o quadrado se vê diante da aparição de uma esfera tridimensional. As implicações políticas dessa descoberta estão cheias de crítica social: as lideranças de Flatland pretendem manter a terceira dimensão em segredo e podem encarcerar e matar quem tentar tornar o assunto público.

O Segredo Além do Jardim e a Divina Comédia

O Segredo Além do Jardim e a Divina Comédia

Em Caça-fantasmas 2, no momento mais crítico da narrativa, o prefeito declara que a cidade está sengo sugada para o décimo círculo do inferno. Referências à Divina Comédia não são raras na cultura pop. Elas estão por toda a parte. Dante Alighieri sugeriu uma organização para o cosmos, de viés bastante teológico. A divisão entre os mundos e dentro dos mundos proposta por ele segue os preceitos religiosos de sua época de maneira muito estrita e, mesmo assim, sobreviveu ao teste do tempo. O Segredo Além do Jardim menciona a obra de Dante de maneira muito mais sofisticada que Caça-fantasmas: as referências vão sendo apresentadas de maneira sutil, vão ficando mais claras no decorrer dos episódios e, apenas no final da série, descobrimos que o jardim do título é um cemitério e que os personagens estão de fato vagando entre a vida e a morte. A certeza de que estamos diante da obra de Dante novamente só pode vir no clímax da história; é um tipo muito bem concebido de engenharia narrativa.

METEORO RECOMENDA

Teoria da Conspiração

No filme Teoria da Conspiração, Mel Gibson é um motorista de táxi meio excêntrico. Ele compra toda e qualquer cópia de O Apanhador no Campo de Centeio que consegue encontrar, mas nunca lê o livro. De maneira similar a O Segredo Além do Jardim, esse filme tem um plot twist de fazer explodir cabeças perto do final. Como no desenho, é nesse plot twist que temos alguma chance de perceber que o filme e o livro citado dentro dele estão numa relação íntima. Compreender a força do vínculo entre o filme e o livro é um exercício de observação e tanto! Ao final do exercício, a satisfação será parecida com a de quem percebe a presença de Dante em O Segredo Além do Jardim.

Hora de Aventura e subjetividade

Hora de Aventura e subjetividade

Bad Jubies é um episódio especial dentro de Hora de Aventura. A animação e a música desse episódio são feitas por convidados e os temas abordados subvertem completamente a tônica comum das histórias infantis. Em Bad Jubies, os personagens de Hora de Aventura descobrem que precisam se preparar para a chegada de um desastre natural. Todos trabalham na construção de um bunker e se dedicam a estocar alimentos. Todos, menos Jake. Jake fica próximo da natureza, contemplando em silêncio. No fim, é a estabilidade mental que ele adquiriu nesse período que ajuda todos os seus amigos a sobreviverem. Jake preparou sua subjetividade para o que estava por vir. Se ele estivesse no contexto de uma história como “Os Três Porquinhos”, seria visto como um mau exemplo. Em Adventure Time, os cuidados dele com a própria maneira de ver o mundo são celebrados e incentivados. É como se Jake tivesse uma dimensão extra dentro de si, um espaço mental que necessita de alguma manutenção. Curiosamente, a trilha sonora desse episódio remete a um outro produto cultural que explora temas parecidos:

METEORO RECOMENDA

Fez

Nesse jogo de 2012, Gomez é uma criatura 2D que descobre que o mundo tem uma dimensão extra. Dotado da habilidade de “dobrar a realidade” e explorar o que há além dos limites das duas dimensões previamente conhecidas, Gomez deve coletar os blocos fundamentais da composição de seu universo. Enquanto coleta esses objetos em cenários que consolidam o potencial do pixelart, Gomez encontra alguns quebra-cabeças que só poderão ser resolvidos com elementos extraídos de fora do jogo. Fez é um jogo que se desenvolve na tela e dentro do jogador. A trilha sonora do jogo é obra de Richard Vreeland, também responsável pelo mesmo trabalho em Bad Jubies.

Seu Madruga e o cinismo

Seu Madruga e o cinismo

Quando Seu Madruga e Dona Florinda formam uma sociedade para vender churros e superar as crescentes dificuldades financeiras dos dois, a série Chaves torna mais visíveis as suas bases filosóficas, fortemente ascentadas sobre o Cinismo. E tem mais: o episódio também é uma lista das dificuldades que encontrará pela frente um pobre que resolva empreender num ambiente hostil. Tudo quando pode dar errado dá errado. No fim, nem o Seu Madruga e nem a Dona Florinda lucram nada com o empreendimento, mas ambos coletam o benefício da empatia que sentem um pelo outro e também por alguém que vive numa situação ainda pior que a deles. Não é pouca coisa. Com sentimentos assim, se tivessem levado o empreendimento a diante, Dona Florinda e Seu Madruga poderiam viver uma história parecida com a de Jiro Ono.

METEORO RECOMENDA

Jiro Ono

Aos sete anos de idade, esse chef japonês já trabalhava em um restaurante. Acumulando experiência e recursos, ele pode começar a preparar e a vender sushi dentro de uma estação de metrô. Hoje, é considerado o melhor do mundo no que faz e é o detentor de três estrelas no Guia Michelin. A história de Jiro Ono é contata em um documentário de 2011, O Sushi dos Sonhos de Jiro, dirigido por David Gelb. Essa é uma história sobre determinação e sobre a busca de uma perfeição hipotética. Em um determinado momento, Jiro nos avisa quer quer estar no topo, mas que ninguém sabe onde o topo fica.