Oswaldo e a donzela em perigo

Oswaldo e a donzela em perigo

Oswaldo é um pinguim num país tropical e é mais um ícone da nova geração de animações brasileiras. O primeiro episódio da série fala sobre a história dos videogames e critica, de maenira sutil, um recurso de roteiro conhecido como “donzela em perigo”. Como a crítica é feita entre uma e outra referência aos jogos, é fácil presumir que ela está direcionada à representação da mulher dentro dessa mídia. Oswaldo se posiciona diante dessa discussão apresentando uma personagem feminina capaz não apenas de se salvar sozinha, mas também de zerar o jogo que os meninos não conseguem terminar ao longo de todo o episódio. É um posicionamento óbvio e bastante eloquente diante da questão. O roteiro foi escrito por Pedro Eboli, criador da série.

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Rise of the Videogame Zinnersters

Pedro Eboli é homem e, ainda assim, priorizou no roteiro dele uma causa que é feminina. Além de generosa, a escolha é inteligente: se tivermos, dentro dos games, menos mulheres sexualizadas e objetificadas, teremos mais mulheres jogando conosco. Ao humilde redator desse texto, esse parece um ótimo negócio. Aos jogadores que cresceram com o conceito de que o videogame é tão “de menino” quanto o “carrinho”, talvez reste alguma ilusão de que, algum dia, a exclusividade masculina sobre a mídia foi real. Talvez, e só talvez, ele tenha lido Rise of the Videogame Zinnersters, de Anna Antrthropy. O livro é um manifesto sobre representatividade (não apenas feminina) nos jogos.

Chaves e o cinismo

Chaves e o cinismo

As relações entre Chaves e Diógenes são difíeis de negar: ambos moravam num barril, ambos faziam da pobreza seu tema principal, ambos faziam da superação dessa condição sua razão de viver, ambos influenciaram culturas inteiras, ambos apanharam de graça. Apesar de todas essas similaridades, a semelhança entre o personagem ficional e o excentrico filósofo de Sínope, na antiguidade grega, permanecem um mistério até hoje. Durante toda sua carreira, o criador de Chaves nunca teria encontrado um jornalista que soubesse algo a respeito do cinismo para fazer tal pergunta a ele. Esse fato permanece até os dias de hoje como um depoimento sobre a incompetência do jornalismo e sobre a impopularidade de cinismo. A primeira, todo mundo conhece muito bem. A segunda, pode parecer novidade, então explicamos suas razões de ser: o cinismo é a filosofia da felicidade do pobre, da nobreza do simples e da alegria da precariedade. Chaves fala disso. Ele é pobre, ele sofre as consequências disso, mas ele sente e propaga alegria mesmo assim. A filosofia de Diógenes fez a mesma coisa no seu tempo, mas não pode ser levada a sério nos dias de hoje. Numa cultura que prioriza o consumo como razão existencial, o cinismo configura uma séria ameaça aos lucros. Por isso, precisa ser impopular. Fossem o Cinismo e todas suas futuras derivações mais cultuadas, esses tempos seriam bem diferentes. São Francisco de Assis, por exemplo, é ou filho ou neto do cinismo, mas já esteve mais em alta.

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Cynicism, from Diogenes to Dilbert

Esse livro tem o espírito do Meteoro, mas atua de maneira inversa. Nos episódios de Meteoro, pegamos uma referência da cultura pop de nossa época e encontramos um precedente antigo e clássico para ela. Normalmente, essa referência testada e aprovada pela passagem do tempo nos é apresentado pela Mulher masi Sábia. Sabendo disso, releia o título desse livro: Cynicism, from Diogenes to Dilbert. Começa com o filósofo clássico, termina com o quadrinho da segunda metade do século XX. É como um episódio de Meteoro que começa com a Mulher mais Sábia e termina com aquele outro personagem qualquer. Toda a trajetória do cinismo, com suas influências na cultura ao longo dos séculos, seus desdobramentos, suas apropriações e até suas derivações estão listadas nesse livro.

Dragon Ball e o Chi

Dragon Ball e o Chi

Dragon Ball viveu e viverá por tempo suficiente para tratar dos mais diversos temas, mas na origem dessa série sempre estarão duas coisas: a referência clara à Jornada ao Oeste e a representação dos conflitos entre a sabedoria ancestral que existe na natureza e o conhecimento moderno obtido por uma humanidade desenvolvida. As referências à Jornada ao Oeste são flagrantes. Esse romance chinês antigo fala da viagem que o monge monge Tang Xuanzang fez na tentativa de obter antigas escrituras budistas. A viagem do monge é um fato histórico com muitas repercussões: os escritos dele guiaram as escavações dos ingleses na Índia, quase 2.000 anos depois da famosa viagem ter acontecido. O romance, porém, mistura o passado histórico com o folclore chinês, inlcluindo a figura de Sun Wukong, o Rei Macado. Sun Wukong, como Goku, possui uma série de transformações e um bastão (ou cajado) capaz crescer indefinidamente até alcançar o leito dos oceanos mais profundos. Além disso, ele também pode voar entre as nuvens. A dualidade entre conhecimento ancestral e tecnologias modernas também é bastante presente no início da série. Goku vive isolado da civilização e conta apenas com a natureza para sustentá-lo. Para alguém como ele, a descoberta da tecnologia também é a descoberta do conflito. Ao longo dos próximos episódios, há um equilíbrio gradual entre as duas coisas.

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O título do produto

A virada dos anos 80 para os anos 90 foi um período muito produtivo para a Disney. São desse período algumas das animações mais memoráveis que a Disney já fez: A Pequena Sereia, A Bela e a Fera, Alladin e, claro, O Rei Leão.

Harry Potter e a Alquimia

Harry Potter e a Alquimia

Em uma entrevista antiga, a autora, J.K Rowling confessou que, quando criança, sonhava em ser alquimista. Essa fantasia a levou a pesquisar o tema. Quando ela escreveu a saga Harry Potter, as informações levantadas durante a pesquisa estruturaram um universo ficcional inteiro. A alquimia em Harry Potter segue uma abordagem junguiana. Na interpretação de Carl Gustav Jung, o homem por trás da psicologia analítica, a alquimia é um sistema de identificação, indução e controle das transformações da mente humana. Nesse sentido, a saga trata da transformação de Harry, uma criança humilhada e abandonada em um ambiente familiar hostil, em um herói relevante para todo o mundo a sua volta. Harry é própria a pedra filosofal. De maneira semelhante, a autora enfrentou situações domésticas abusivas e dificuldades financeiras antes de se tornar a mentora de uma geração inteira. Talvez os processos alquímicos, conforme conceituados por Jung, também tenham sido usados por J.K. Rowling em sua própria trajetória. Apesar da grande exposição da autora, essa pergunta nunca foi feita em uma entrevista.

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Psicologia e Alquimia, de Carl Gustav Jung

Estão nesse livro as bases da relação entre alquimia e psicologia. Esse livro encerra um mistério secular a respeito da utilidade e do significado do repertório visual e textual da alquimia. Encerra, porque as hipóteses restantes para a alquimia não são viáveis: acreditar que esses processos servem para transformar metal em ouro é ter imaginação demais. Acreditar que esses processos não servem para nada é ter imaginação de menos.

Alchemy & Mysticism, de Alexander Roob

Esse é um daqueles livros da Editora Taschen, impresso em papel luxuoso com ilustrações coloridas. Estão catalogadas aqui algumas das pinturas mais importantes para a história da alquimia. Há uma exploração tão direta quanto possível dos misteriosos símbolos alquímicos e da qualidade visual que faz esse tema ser irresistível.

Zelda, a lenda da liberdade

Zelda, a lenda da liberdade

A série Zelda se caracteriza por dois momentos distintos: no início, os jogos eram focados na exploração livre de um mundo aberto. Mais tarde, com a chegada de Ocarina of Time, a experiência foi direcionada para uma narrativa cada vez mais rica, complexa e ordenada, limitando a margem que o jogador tinha para escolher seu caminho. Narrativa necessita de alguma ordem. Interação necessita de alguma liberdade. O agonismo entre ordem e liberdade sempre foi um assunto presente nas mecânicas de jogo exploradas pela série Zelda. Recentemente, a liberdade votou a ser priorizada em Breath of the Wild, mas não há garantias de que a série continuará assim e esse é um depoimento muito forte sobre a relação entre ordem e liberdade.

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The Video Game Theory Reader

O conflito entre a ludologia – o estudo dos jogos como sistemas e mecânicas – e a narratologia – o estudo das histórias – já é considerado razoavelmente ultrapassado. Afinal, como diz o próprio Gonzalo Frasca, o propositor da ludologia como campo de pesquisa, “ludólogos também amam histórias”. Mas a observação dos conflitos entre a interação proposta pelos jogos e a ordenação controlada das narrativas pode nos ensinar muito sobre as nuances enfrentadas por jogos como Zelda ao longo de sua história. Recomenda-se em especial o artigo de Frasca: Simulation Versus Narrative: Introduction to Ludology.